A partir de julho de 2025, entra em vigor na França uma profunda reforma do financiamento da formação em alternância (apprentissage). Anunciada oficialmente em abril pelo Ministério do Trabalho, a medida afeta diretamente estudantes de mestrado (Bac+3 ou superior) que pretendem cursar ou já estão em alternância — um modelo que combina estudo com trabalho remunerado na área de formação.
O governo francês justifica a reforma como uma tentativa de alinhar melhor o sistema de formação às demandas do mercado de trabalho, garantir a sustentabilidade financeira do modelo e combater fraudes em centros de formação. No entanto, a principal mudança que atinge diretamente os estudantes de ensino superior é a introdução de uma participação financeira obrigatória dos empregadores, o que deve impactar a oferta de contratos em alternância para níveis avançados.
O que está em jogo?
Desde a reforma de 2018, a França viveu uma revolução no sistema de formação por alternância. O número de contratos de aprendizagem passou de 290 mil em 2017 para quase 880 mil em 2024, segundo dados do próprio governo. Esse salto foi possível graças a um modelo generoso de financiamento público — mas que, segundo o Ministério do Trabalho, se tornou insustentável.
A ministra do Trabalho, Saúde e Solidariedades, Catherine Vautrin, declarou em comunicado oficial:
“Fizemos o que era necessário para mudar vidas. Mas um modelo, por mais eficaz que seja, não pode permanecer imutável. Nossa ambição agora é tripla: melhorar a inserção profissional, garantir a sustentabilidade financeira e simplificar o sistema.”
Participação financeira obrigatória para contratos de nível Bac+3 e superior
A medida que mais afeta o público de mestrado é a que impõe, a partir de julho de 2025, uma contribuição obrigatória de €750 por contrato de aprendizagem de nível 6 ou 7 (equivalente a Bac+3, Bac+4 e Bac+5). Esse valor deverá ser pago pelo empregador diretamente ao CFA (Centro de Formação de Aprendizes), e o CFA será responsável por cobrar esse montante.
De acordo com a ministra do Trabalho e Emprego, Astrid Panosyan-Bouvet:
“A participação obrigatória dos empregadores será aplicada apenas aos contratos de ensino superior, preservando as formações de entrada, que continuarão com apoio integral do Estado. Essa é uma escolha de responsabilidade fiscal e alinhamento com o valor real da formação.”
Impactos previstos para estudantes de mestrado
Embora a contribuição financeira recaia sobre os empregadores, especialistas do setor apontam riscos concretos para os estudantes:
- Redução na oferta de contratos em alternância: pequenas e médias empresas podem hesitar em contratar estudantes de mestrado devido ao novo custo.
- Desigualdade entre setores: áreas com menos margem de lucro podem contratar menos aprendizes, enquanto grandes empresas continuam recrutando.
- Possível aumento da seletividade nos processos de alternância, afetando estudantes estrangeiros e de grupos menos favorecidos.
Segundo estudo da APEC (Association pour l’emploi des cadres), citado no próprio dossiê da reforma, estudantes de alternância no ensino superior têm 70% mais chances de conseguir um CDI após o diploma, em comparação com apenas 47% dos não-alternantes. Para 39% dos estudantes de origens populares, a alternância é uma forma crucial de financiar seus estudos.
Simplificação e controle de qualidade: um novo modelo
Além da contribuição obrigatória, o governo também anunciou:
- Redução drástica do número de níveis de financiamento: de 800.000 combinações diferentes para cerca de 3.500, a partir da rentrée de 2026.
- Bonificação para formações estratégicas: cursos alinhados com as necessidades do mercado (ex: TI, saúde, engenharia) poderão receber mais financiamento do Estado.
- Corte de 20% no financiamento de formações com mais de 80% à distância
- Prorata diária no repasse de verbas conforme a duração real do contrato
- Plano nacional de combate à fraude e controle de qualidade dos CFA
Reação das instituições e do setor
A reforma foi construída após uma grande concertação nacional iniciada em novembro de 2024. Ainda assim, algumas vozes críticas se manifestaram.
O presidente da Confederação das PME (CPME), François Asselin, declarou ao jornal Les Echos:
“Com essa reforma, o risco é que os estudantes mais qualificados — que são também os mais caros de formar — fiquem sem acesso à alternância. Precisamos de um sistema equilibrado que não penalize a excelência.”
Já o reitor da Universidade Paris Cité, Éric Froment, afirmou ao Le Monde:
“A alternância é uma ponte entre universidade e mercado. Essa contribuição obrigatória pode ser um obstáculo real para estudantes estrangeiros, que já enfrentam barreiras administrativas e sociais para acessar a formação superior.”
E o que muda para você, estudante brasileiro pensando em fazer mestrado na França?
Se você está planejando vir para a França com a intenção de fazer um mestrado em alternância, é essencial considerar:
- O impacto dessa contribuição obrigatória nas suas chances de encontrar um contrat d’apprentissage
- A área de atuação: cursos ligados a setores estratégicos (ex: digital, saúde, sustentabilidade) tendem a manter boas ofertas de alternância
- A antecipação: quanto mais cedo você se organizar (documentação, CV francês, networking), maiores as suas chances
- A adaptação: considere, se necessário, fazer o M1 como estudante tradicional e buscar alternância apenas no M2
Conclusão
A reforma do financiamento do aprendizado marca um novo capítulo na formação superior na França. Para quem está no mestrado, especialmente estudantes estrangeiros, o cenário exigirá mais planejamento, adaptação e leitura estratégica do mercado de trabalho francês.
Por outro lado, a priorização de cursos com alta empregabilidade, o reforço da transparência e a valorização da qualidade na formação podem ser oportunidades — desde que você saiba navegar essas mudanças com inteligência e apoio certo.
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