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Mas meu alívio só durou até receber a seguinte mensagem da host mom: “Carla, desculpa incomodar, mas se você ainda estiver acordada, M. quer falar com você.”

Eu gelei. E foi nessa hora que eu percebi que ainda não tinha acabado…

Confira aqui o início dessa história.

Não havia possibilidade de fingir demência e ignorar a mensagem, porque ela já tinha visto que eu estava online, então respirei fundo e saí do quarto. O host dad estava me esperando do lado de fora e falou: “Carla, nós conversamos e decidimos que queremos que você saia da casa amanhã. Nós vamos viajar para a Espanha e, depois do que você fez, não confiamos em te deixar sozinha na casa”.

Na hora, só consegui pensar em vários vídeos no Youtube e textões do Facebook de meninas que falavam sobre ser expulsas de casa pelos host parents. Sem agência, eu sabia que podia contar com a Lei para permitir que eu tivesse meus 15 dias de aviso prévio garantidos, mas quando ele disse que “não confiava” em me deixar sozinha na casa, pensei que se algo desaparecesse ou quebrasse, eu era o lado mais fraco dessa corda.

Assenti a voltei pro quarto meio desesperada. A nova host family só me esperava para dali a 15 ou 30 dias, mas eu sabia que a kitchenette que me ofereceram já estava vazia, então resolvi tentar mandar uma mensagem. Eram 22h20, e escrevi para a host mom dizendo o seguinte: “Olá, eu sinto muitíssimo pelo horário. Eu decidi falar com a minha host family hoje e, primeiro, eles aceitaram os 30 dias de aviso prévio, mas agora o host dad acabou de me pedir para sair amanhã, se possível. Seria possível para vocês já me receber à partir de amanhã? Eu entendo que está muito em cima e eu peço mil perdões, mas eu não estou certa do que fazer agora”.

A fada salvadora me respondeu em dois minutos o seguinte: “Ah ok. Sim. Estou terminando uma reunião agora. Eu posso te ligar em 10 minutos”. E me ligou para dizer que eu poderia ir no dia seguinte porque a moça da limpeza estaria na casa o dia todo para me receber.

Meu coração até ficou mais leve! Fui, então, arrumar todas as minhas coisas e fazer as malas misturando roupas sujas com roupas limpas e enfiando tudo o que eu tinha em 2 malas grandes, 1 mala de mão, 1 bolsa e a bolsa da ring light. Consegui terminar de arrumar tudo em 1h30 e dormi até o dia seguinte, quando eu pediria à host mom para me levar para a casa nova.

Levantei, tomei café e perguntei à hosta se ela me levaria, principalmente por causa da malas. De carro, o percurso seria de 35 minutos, mas, no transporte público, a viagem demoraria em torno de 1h50 (2 ônibus, 2 trens e 1 RER). Ela disse que precisava perguntar ao marido, então eu fui tomar banho e, quando saí, ela me informou que infelizmente não poderia me levar.

O uber custaria 55 euros que eu não tinha, então dividi minhas coisas em 2 remessas e decidi fazer duas viagens (1 de ida+volta e 1 só de ida) para a casa nova. Seria o último esforço para finalmente sair daquela casa e conseguir me afastar de pessoas tão mesquinhas…

Comecei a primeira viagem às 10h25 da sexta-feira (21), na chuva, e cheguei à casa nova com 1 mala grande, 1 mala de mão e a bolsa, às 12h45. Deixei tudo e saí correndo outra vez para voltar e buscar a outra mala grande e a bolsa da ring light. Foi então que o pai começou a me mandar mensagens (por volta de 13h50) perguntando se eu já estava chegando porque eles queriam viajar assim que o menino saísse da escola (ele sairia 16h20). Respondi dizendo que estava a caminho e cheguei na casa 14h47.

Subi, peguei a minha última mala e fui falar com a mãe para me despedir. Eu disse: “Muito obrigada pela comida, você cozinha muito bem. Obrigada por cuidar bem de mim e por tudo.” O pai estava ao lado, então acabei agradecendo a ele por tudo também.

A host mom me mostrou uns documentos em cima da mesa e pediu que eu assinasse. Os documentos diziam que eu tinha decidido, em comum acordo com a família, sair da casa sem aviso prévio. Eu li e me fiz de doida, dizendo que não tinha entendido muito bem essa parte. Daí ela explicou que não tinha encontrado, na internet, um modelo de término de contrato que ignorasse o aviso prévio. Por que será, né? :))))))

Assinei para me ver logo livre e peguei minha mala para sair. Então o host dad disse: “Ah, o chip do seu celular fomos nós que compramos, inclusive pagamos a conta esses 4 meses, então eu quero o chip de volta e o valor da conta por esses 4 meses é de 36 euros”. Fiquei um pouco chocada porque não esperava que ele fosse me cobrar pelos meses que usei o celular, mas resolvi pagar o mais rápido possível e conseguir ir embora. Todo o dinheiro que eu tinha (50 euros) estava no meu bolso, então paguei o que ele pediu e fiquei com 14 euros na mão. Desnorteada, mas ainda feliz por estar cada vez mais próxima da minha liberdade, peguei minhas malas para sair.

Quando dei as costas, o host dad falou: “Ah, Carla…”

Eu já revirei os olhos antes de virar novamente, porque estava contando com a sorte de que aquele homem não fosse me provocar ainda mais. Mas ele começou: “Olha, a gente sabe que você não é má pessoa, mas a maneira como você fez as coisas foi muito errada… Você deveria ter falado assim que decidiu procurar uma nova família, pra que a gente também pudesse procurar uma nova au pair.”

Respirei fundo e, meio me sentindo numa novela mexicana por ter que gastar meu espanhol com esse maluco, disse: “Ah, é? Agora imagina se eu tivesse dito que queria rematch e vocês tivessem feito isso comigo quando eu ainda não tinha uma nova família? O que eu ia fazer agora, hein? Vocês têm essa casa, têm um ao outro… E eu, o que é que eu tenho aqui? Eu não tenho nada e não tenho ninguém!”.

Ele continuou falando, mas eu já estava mesmo de saco cheio e mandei: “Olha, Ricardo, eu sinceramente não quero mais falar com você e nem escutar a sua voz!”. Dei as costas e saí. Em parte porque eu estava muito irritada e em parte porque eu não tinha chorado até aqui e não queria dar a eles o gosto de chorar na frente deles.

Mas antes de sair pela porta, eu lembrei de todas as vezes que ele gritou com a mulher dele na minha frente, de todas as vezes em que reclamou da comida maravilhosa que ela fazia, dizendo que estava sem gosto, sem sal, queimada, muito isso ou muito aquilo… Lembrei dos lábios dela apertados e dos olhos cheios de lágrimas enquanto eu me despedia e pedia que ela desse um beijo no meu kid por mim. Então voltei uma última vez e disse pra ela: “E você… Não deixe ele te tratar desse jeito! Você merece mais.”

E fui embora. Sem bater a porta nem nada. Simplesmente saí daquela casa para começar um novo ano em paz, no meu cantinho, com uma família que me recebeu com jantar de boas-vindas e um sorriso aberto.

E essa foi a minha melhor decisão nesses dois anos em que fui au pair…